sábado, 27 de setembro de 2008

COMENTÁRIOS À LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO Art. 7.° e segs.)

SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE LEIS NO BRASIL E A LICC
O Direito Internacional Privado é chamado por muitos de direito dos conflitos.
O Direito Internacional Privado não existiria se cada homem vivesse somente dentro da sua comunidade, tal como ocorria no Feudalismo.
Assim sendo, o homem por ser naturalmente egoísta, tangido pelo fato econômico, rompeu as fronteiras da área de ação, desgarrou-se do próprio grupo e foi ao encontro de outros povos, a fim de firmar negócios e ter relacionamento de ordem diversa.
Desse entrelaçamento de idéias e negócios, nasceram choques de interesses entre pessoas de Estados diferentes.
Cada Estado, em razão disto, criou o seu sistema regulador da aplicação da lei estrangeira, bem assim dos conflitos desta com as leis locais.
O Brasil, como não poderia deixar de ser, também tem o seu conjunto de normas visando a idêntico fim, e está enfeixado na sua maior parte nos artigos 7° e seguintes da Lei de Introdução ao Código Civil.
“Art. 7.° A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.”
O juiz, aqui, ao aplicar a lei estrangeira, observará, com o devido rigor. elemento de conexão: domicílio.
E o elemento de conexão a parte mais importante do Direito internacional Privado. É, como bem disse Haroldo Valladão o “míssel” que transporta a lei de um país para ser aplicada noutro.
Nosso Direito, antes de 1942, adotava a nacionalidade como ele mento de conexão, a exemplo do que fazem os diversos países da Europa. Entretanto, veio a Segunda Guerra Mundial e o Brasil, por não pretender aplicar as leis dos chamados países do eixo (Alemanha, Itália e Japão), haja vista a existência de um razoável contingente de alemães, italianos e japoneses domiciliados aqui, resolveu mudar o elemento de Conexão.
Antes, adotávamos a nacionalidade por influência de Pimenta Bueno que se havia inspirado na obra do advogado alemão radicado em Paris de nome Foelix, embora Teixeira de Freitas, autor do esboço do Código Civil do Império, optasse pelo domicílio tendo em vista o pensamento de Savigny.
Pelo texto do referido artigo, nota-se, sem maiores esforços, que estão por ele regulados os direitos pessoais (o nome, a personalidade, a capacidade e os direitos de família).
Torna-se, assim, evidente, se um estrangeiro vem ao Brasil e aqui vai a juízo alterar ou retificar o nome, o juiz brasileiro, ou juiz do foro, observará as leis do seu domicílio e nunca o fará tomando como base as leis locais.
Se ele está, não obstante, radicado no Brasil com visto permanente, conseqüentemente, tem aqui o domicílio, e o direito a ser aplicado é o brasileiro, principalmente a Lei n° 6.015/73.
A respeito do nome, torna-se interessante fazermos algumas considerações à luz do nosso direito. Vejamos:
Mudar, alterar, retificar um nome ou mesmo acrescentar-lhe algo, constitui, sob o ponto de vista jurídico, assunto polêmico.
Entretanto, o desate ou desfecho de tais alterações não parece ser tão difícil. Primeiramente, devem ser dissecadas as palavras prenome, nome, sobrenome ou apelido de família. Daí, então, o caminho para chegarmos ao ápice de tudo a ser perquirido passa a ser curto.
Diante disto, convém esclarecer: prenome é nome, aquele que identifica o indivíduo em si. E o nome de batismo. Tomemos como exemplo: Pedro, José, Antônio e outros tantos. Porém a identificação da pessoa apenas não basta. É preciso que seja conhecida também a sua origem, a sua família ou a sua árvore genealógica. Tem-se assim o nome da família ou apelido de família ou mesmo o sobrenome. Em razão disto, o nome que antecede ao da família passou a ser chamado de prenome. Contudo, o nome completo de uma pessoa é constituído do prenome e do apelido de família ou sobrenome.
O prenome, nos termos do art. 58 da Lei n°6.015/73, é imutável.
A regra é esta. Porém, há exceções e podemos citar como exemplo o erro de ordem gráfica existente no prenome ou péssimo significado que leva sempre o seu portador ao ridículo ou deboche.
Não resta dúvida, em casos assim, a mudança se impõe ante a dureza da regra.
Além do mais, os tribunais, em sábias e bem orientadas decisões, em se tratando de duplicidade de prenomes, têm reconhecido que havendo um em desuso, seja este eliminado. E, na hipótese de existir prenome consagrado pelo uso, seja inserido ou intercalado ao nome da pessoa diretamente interessada, portadora do nome cuja retificação é pretendida.
A coisa também assume caráter polêmico, discordante quando alguém versado em direito examina a exegese do art. 56 da Lei n° 6.015/73, cujo texto se segue:
“O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.”
Há autores, até mesmo de elevado conceito, que chegam a dizer que a alteração aqui prevista diz respeito ao nome de família e não ao prenome, posto que este está regulado pelo art. 58 da mesma disposição legal.
Salvo melhor juízo, tal interpretação choca-se completamente com o próprio texto do artigo que diz peremptoriamente “... desde que não prejudique os apelidos de família”. O que é apelido de família? Claro que á o mesmo nome de família ou sobrenome.
Na verdade, o que o legislador quis não foi outra coisa senão permitir a mudança do prenome. Não usou a palavra prenome, porque uma vez afastado o apelido de família de qualquer retificação somente poderia falar do nome, do nome que identifica o indivíduo como pessoa, ou mesmo porque entendeu correto fazer menção ao nome como um todo e excluir de qualquer modificação a sua parte final, o nome de família.
Ante o exposto, se a própria lei ressalvou que o apelido de família é intocável, o que resta para ser alterado, modificado, substituído ou mudado? É curial, o próprio prenome. Porquanto, retirando-se de um nome completo o nome de família, nada mais resta a não ser ele mesmo, o prenome, que isolado é também nome.
Ademais, quis o legislador que o indivíduo ao completar a maioridade, isto é, dentro daquele intervalo dos 21 aos 22 anos, escolhesse para si um nome que lhe parecesse mais ajustado à sua personalidade, ao gosto.
O nome de família ou apelido de família é que não pode ser negado, retificado, porque assim estaria o titular negando as suas origens, e isto constitui crime de falsidade ideológica.
Conforme verificamos, a personalidade, a capacidade e os direitos de família, além do nome, estão sujeitos à lei do domicílio.
Tudo isto é muito importante, porque o conceito das instituições quase sempre muda de país a país.
A personalidade, nos termos do direito brasileiro, Clóvis, com aquele poder de síntese que lhe era peculiar, assim a definiu: “É a aptidão reconhecida pela ordem jurídica a alguém para exercer direitos e contrair obrigações.”
A personalidade jurídica, nos moldes estipulados pelo nosso Código Civil, começa do nascimento da pessoa com vida. Contudo, esta não á a orientação dada pelas legislações européias, porquanto para a maioria dos países do velho continente a personalidade começa com o nascimento de alguém com vida e com forma humana. Isto significa dizer que, sem forma humana, não há pessoa.
Já a capacidade jurídica, também seguindo a primeira definição de Clóvis sobre personalidade, nada mais é senão a aptidão que a ordem jurídica concede a alguém para exercer direitos e contrair obrigações, por si só.
Evidencia-se assim o seguinte: quando a pessoa tem apenas personalidade jurídica, se for menor de 16 anos, ou por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento, ou não pode expressar sua vontade, ainda que por causa transitória, será representada em juízo; enquanto isto, os maiores de 16 e menores de 18 anos, os com desenvolvimento mental incompleto, os pródigos, os alcoólatras e toxicômanos, são assistidos.
Diante disto, todos os maiores de 18 anos, e em completo gozo de suas faculdades mentais têm capacidade, agem por si só. Daí por diante, não importa a idade que a pessoa venha a ter. Até mesmo aos 90 (noventa) anos, se está com a sua mente sadia, sabendo dizer o que quer e o que não quer, não perderá a capacidade.

Tratando-se de casamento, a capacidade para contraí-lo deverá ser aquela prevista no direito onde o estrangeiro é domiciliado, bem assim para os demais casos da vida civil. Se a maioridade plena no país do seu domicílio é de 21 (vinte e um) anos, aqui só poderá casar se tiver esta idade; ou o mesmo ocorreria se fosse 22 (vinte e dois) anos.
Na hipótese e se realizar o casamento no Brasil, observar-se-á a lei brasileira, quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades de celebração (art. 7.º, § 1°).
E que são impedimentos dirimentes? São aqueles que fulminam o ato, tornam-o nulo, sem produzir qualquer efeito.
São aqueles do art. 1.521 do Código Civil, isto é, do inciso I ao VII. Vejamos:
“I - Os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - Os afins em linha reta;
III - O adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - Os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - O adotado com o filho do adotante;
VI - As pessoas casadas;
VII- O cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.”
Devemos ressaltar que o impedimento enumerado no inciso IV relativo a colaterais de terceiro grau, em face do que dispõe o Decreto-Lei n.° 3.200, de 19.04.1941, deve ser interpretado sistematicamente. Portanto, um tio poderá casar com uma sobrinha ou um sobrinho com a tia, bastando tão-somente que sejam submetidos a exame médico, a uma perícia médica, a fim de que fique comprovada a capacidade de ordem genética para reproduzirem uma prole sadia.
Igualmente os impedimentos da lei estrangeira não serão observados, sempre que ofenderem a ordem pública.
Os atos preparatórios são aqueles da lex fori. Todavia, se o estrangeiro não trouxer prova de que foram observadas as formalidades quanto ao edital de proclamas no país de sua origem, o casamento não poderá ser realizado.
Isto porque nossa lei exige a publicação do referido edital no lugar do domicílio do nubente, pois somente lá poderão ser conhecidos os seus impedimentos.
Fica assim esclarecido: a pessoa geralmente quando se desloca do seu país para um outro leva sempre consigo os direitos pessoais, fato este que não ocorre com as formalidades ou com a forma de exercê-los.
O § 2° deste mesmo artigo disciplina o casamento diplomático nos seguintes termos:
“O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.”
O casamento diplomático, destarte, só poderá ser celebrado quando ambos os nubentes tiverem a mesma nacionalidade, e na embaixada ou consulado do seu país.
É facultativo. Não impõe a lei. Daí por que usa o verbo poder e não dever.
Assim, dois estrangeiros que tenham a mesma nacionalidade podem perfeitamente casar perante a autoridade brasileira competente.
Não é, entretanto, correto o texto do § 2° do mesmo artigo, ou seja:
“Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.’’
O projeto Lafayette estabeleceu, no art. 27, norma geral e segura:
“A nulidade do casamento é julgada segundo a lei do lugar onde foi celebrado, se resulta de infração de formalidades externas; se da inobservância de requisitos ou condições intrínsecas, pelo estatuto pessoal dos cônjuges.”
Igual princípio adotou o Código Bustamante, no art. 47, que diz:
“A nulidade do casamento deve regular-se pela mesma lei a que está submetida a condição intrínseca ou extrínseca que a motive.”
Apesar desta cristalina lógica, a nossa Lei de Introdução ao Código Civil optou por uma solução confusa e injusta.
E assim sendo, a regra aceita pela referida lei é a da competência da lei do domicílio dos nubentes, se este era comum. Se não o era, a invalidade passa a ser regulada pela lei do primeiro domicílio conjugal.
A incongruência surge quando os nubentes escolhem novo domicílio, isto é, inteiramente diferente daquele de suas origens.
Neste caso, uma terceira lei de um Estado diferente, estranha à celebração do ato (pois não é nem a do Estado da celebração do ato nem a do domicílio de qualquer um dos noivos), é que passa a disciplinar a validade ou invalidade desse mesmo ato.

1.1 O divórcio
Não podemos negar que fatores religiosos, políticos e filosóficos são as causas determinantes das diferenças existentes entre os sistemas jurídicos de diversos povos.
O problema do divórcio e do desquite (separação consensual ou judicial) está mais ligado ao modus vivendi de cada povo. Daí por que há Estados que preferem o divórcio a vínculo, outros tão-somente o desquite e outros o desquite e o divórcio a vínculo.
O Brasil de hoje, como é notório, optou pela terminologia separação consensual ou judicial ao invés do desquite (mudou apenas o rótulo). Decorrido um ano da decisão judicial que a homologou, far-se-á o divórcio a vínculo.
Em razão do exposto, o § 6° do retromencionado art. 7° procurou tão-somente adaptar a legislação estrangeira à nossa.
Não foi tão exigente. Apenas reconheceu o divórcio realizado no estrangeiro entre um casal de brasileiros ou quando, pelo menos, um deles é brasileiro.
Dispensou, destarte, a prévia separação consensual ou judicial (antigo desquite). Todavia, deixou claro em suas disposições que o estrangeiro casado com brasileira ou vice-versa haverá sempre que se submeter às regras do nosso direito, isto é, em havendo o divórcio no estrangeiro, a sua sentença só produzirá efeitos no Brasil um ano após o trânsito em julgado, caso seja homolgada pelo STJ após referido trânsito em julgado.
Outro parágrafo que merece o devido comentário é o 8° do mesmo art. 7°.
No Direito Internacional Privado, os critérios relativos aos elementos de conexão são diversos: nacionalidade, domicílio, residência, lugar onde a pessoa se encontre, lugar da situação da coisa, ou seja, lex rei sitae, lugar da constituição ou execução da obrigação, autonomia da vontade, vizinhança, religião, tribo, raça etc.
O Brasil consoante podemos observar nas disposições do referido § 8°, adotou o sistema de conexão sucessivo, ou seja, primeiramente, o domicílio, que é composto dos elementos objetivo (residência) e subjetivo (o ânimo de permanecer). Na sua ausência, a residência. E, se não há residência, o lugar onde a pessoa se encontra.
O elemento de conexão nacionalidade está realmente no Brasil com a sua aplicação bastante restrita, como, por exemplo, na regra do reconhecimento parcial do divórcio de qualquer alienígena casado com cônjuge brasileiro, predominado a nacionalidade. Em se tratando de divórcio, nosso elemento de conexão passa a ser a nacionalidade.

1.2 Lex rei sitae
“Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.”
Optou nossa lei pelo elemento de conexão, lex rei sitae, ou seja, o lugar da situação da coisa.
Assim sendo, se o bem está situado no Brasil, a competência para decidir toda e qualquer controvérsia em torno dele é do juiz brasileiro. No entanto, se não está em nosso solo, como é lógico, passa a ser do juiz de sua situação.
Igualmente, a sua qualificação (se é móvel ou imóvel, fungível ou não-fungível, público ou particular, dentro ou fora do comércio) será sempre aquela estabelecida pela legislação do Estado onde se encontram os bens.
Há, porém, uma exceção para os móveis sem localização permanente. Vejamos o §1º:
§ 1º “Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.”
Fazem parte do elenco desses móveis a bagagem do viajante, seus pertences de uso pessoal, o próprio automóvel etc.
Vejamos o texto do §2 do mesmo artigo:
§2º “ O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontra a coisa apenhada.”
As disposições contidas neste parágrafo visam tão-somente facilitar a própria aplicação da lei estrangeira. Não seria prático que a pessoa detentora do penhor tivesse tratamento através de uma lei e o objeto penhorado fosse disciplinado por outra.
“Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.”
O artigo anterior tratou, evidentemente, das coisas. Este disciplina as obrigações.
No primeiro, a qualificação depende da lei da situação da coisa. Neste, é a lei do lugar da constituição da obrigação que a qualificará.
São critérios praticamente territoriais, salvo algumas exceções.
Mais preciso é o Código Bustamante quando, em seu art. 164, afirma o seguinte:
“O conceito e a classificação das obrigações subordinaram-se à lei territorial.’’
Para o exame do cerne deste artigo, precisamos, antes de tudo, observar e examinar as obrigações na conformidade de suas fontes e das causas de suas origens como, por exemplo, a lei, o ato jurídico e os fatos ilícitos.
As originárias da própria lei não têm caráter independente ou autônomo.
Surgem sempre de uma relação jurídica principal, sendo, portanto, acessórias.
Tomemos como exemplo a obrigação de prestar alimentos, que é disciplinada pelo direito de família, bem assim o usufruto, atinente ao poder familiar, sem dúvida, passa a ser uma conseqüência da própria norma legal que regula esse instituto, o mesmo ocorrendo com as obrigações do tutor, que ficam sempre submetidas à lei da tutela.
Incluímos mais certas situações a que a lei atribui o efeito de gerarem uma relação obrigacional, comumente denominadas de quase-contratos ou pré-contratos.

1.3 Gestão de negócios
Resulta ela de um ato puramente voluntário, da iniciativa de uma pessoa, sem o necessário mandato de outrem. Assume o lugar do verdadeiro dono e age como se proprietário fosse. Entretanto, não é, na realidade, um contrato, porquanto contrato é um acordo de vontades. Mas, deve ser tratada como obrigação. Do seu exercício nascem sempre relações obrigacionais entre o gestor e o dono do negócio.

1.4 As obrigações resultantes de delitos
Não resta dúvida, a responsabilidade oriunda de um ato desta estirpe deve sempre ser vista pelo ângulo da lei do lugar de sua prática.
Assim, as obrigações que nascem de delitos são disciplinadas pela lei do Estado onde ocorreram os fatos.
As regras do artigo em liça sofrem algumas restrições no tocante aos tratados.
É evidente que, em sendo ordinária a Lei de Introdução ao Código Civil, as determinações contidas em tratados subscritos pelo Governo brasileiro e por ele mesmo ratificados podem perfeitamente regular os vínculos obrigacionais de maneira diversa.
Passa a ser referido artigo uma espécie de regra geral que tem suas exceções, isto é, os tratados, a exemplo do que contém o Código Bustamante, naquilo que diz respeito às obrigações.

1.5 A forma extrínseca dos contratos e dos atos lícitos
Aqui tem-se como base a máxima latina: locus regit actum, com as ressalvas da ordem pública.
O Código Bustamante é incisivo em seu art. 180:
“Aplicar-se-ão simultaneamente a lei do lugar do contrato e a de sua execução, à necessidade de outorgar escritura ou documento público para a eficácia de determinados convênios e à de os fazer constar por escrito”.
Quanto ao emprego da forma, se é facultativo ou obrigatório, isto varia de Estado a Estado.
Na legislação brasileira, por exemplo, a forma é obrigatória, principalmente quando a obrigação se destina a ser executada no Brasil, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
É claro, se a forma é essencial, os elementos extrínsecos não podem desprezados, ou seja, aqueles que são exteriores e não pertencem à essência da coisa.
O § 2° do mesmo artigo esclarece que, se a obrigação resulta de contrato, reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.
É claro que a proposta de um negócio entre pessoas de lugares distantes sempre se dá por cartas, telefonemas, telegramas, telex etc. Destarte, a lei reguladora da transação é do proponente.
Exemplificando: se é um comerciante brasileiro que propôs a venda de quinhentas mil sacas de café a um americano, desde que firmado o negócio, a lei brasileira passa a ser a disciplinadora do pacto.
“Art. 10 A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.”
Nosso legislador, para alguns, não foi feliz na relação deste artigo. Na verdade, desaparecido, se vivo estiver, pode ter domicílio. Defunto, jamais.
Melhor teria dito:... obedece à lei do país em que era domiciada a pessoa ao falecer ou ao desaparecer.
Parece, por outro lado, que pretendeu transpor para a área do Direito Internacional Privado a mesma regra já consagrada no direito interno: o local da abertura de inventário é o do domicílio que a pessoa tinha ao falecer. No entanto, preferiu referir-se à lei do país do domicilio da pessoa, talvez para dar mais ênfase à regra. Demonstrou que estava tratando de uma competência na área do DIP, com tal deveria ser vista e entendida.
Mesmo assim, entrou em choque com o art. 8º, que diz, no seu texto:
“Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.”
Em face do exposto, podemos concluir, sem maiores esforços, que os bens situados no Brasil, mesmo em se tratando de inventário requerido em outro Estado, reger-se-ão pelas nossas leis, e não pelas leis do domicílio do antigo titular.
A parte mais interessante desse art. 10 é aquela do seu §1º cujo texto é o seguinte:
“ A vocação para suceder em bens de estrangeiros situados no Brasil será seguida pela lei brasileira em beneficio do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal, sempre que não lhes seja mais favorável a lei do domicílio.”
É um caso típico de uma lei imperfeita, classificação esta feita por Martin Wolff. Para ele, as do Direito Internacional Privado são imperfeitas e perfeitas. As perfeitas abrangem nacionais e estrangeiros, indistintamente. Os exemplos estão na própria Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, e o mais expressivo é o contido no art. 5.º, caput, da CF/88.
São, entretanto, imperfeitas quando procuram favorecer os nacionais em detrimento dos estrangeiros.
Não podemos desconhecer que a legislação de determinados países, principalmente da Europa, põem a mulher em segundo plano, quando inexistem descendentes ou ascendentes. Neste caso, os colaterais passam a ser os verdadeiros herdeiros. Daí a razão de ser do parágrafo em referência.
Torna-se interessante atentarmos para as determinações do artigo 1.829 do nosso Código Civil, segundo as quais, não havendo descendentes nem ascendentes, a mulher fica na ordem de sucessão seguinte.
É a esta disposição contida no §1º do supramencionado artigo 10, que os franceses costumam chamar de prélèvement, cujo significado, ao pé da letra, é tirar antes, ou a primeira parte das peças teatrais.
“Art. 11 As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.”
A nacionalidade da pessoa física é determinada pelo jus sanguinis ou pelo jus soli, conforme já nos referimos no ponto que trata da aquisição dos direitos políticos por parte dos estrangeiros, ou melhor dizendo, da naturalização.
As pessoas jurídicas, no entanto, conforme o caput do art. 11 da Lei de Introdução sob exame, já não se regem pelos princípios dos sistemas mencionados. O lugar da constituição dessas sociedades é que determina a sua nacionalidade. Pouco importa a nacionalidade das pessoas dos seus sócios.
Assim sendo, se três alemães constituem aqui no Brasil uma firma comercial, a sua nacionalidade é brasileira. O mesmo ocorrerá se três ou mais brasileiros formarem uma sociedade comercial na França, esta passa a ter nacionalidade francesa.
Isto, entretanto, não impede que pessoa jurídica estrangeira exerça suas atividades no Brasil por intermédio de agências ou filiais. Para isto, torna-se imprescindível apenas que os atos constitutivos sejam aprovados pelo Governo brasileiro.
Não poderão os governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza que lhes pertençam, adquirir bens imóveis no Brasil, a não ser para sedes de suas embaixadas.
“Art. 12 É competente a autoridade judiciária brasileira quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.”
Neste artigo, a Lei de Introdução ao Código Civil define, cm parte, a competência da justiça brasileira na área do DIP. Será assim de sua exclusiva competência quando o réu for domiciliado no Brasil ou tiver de ser cumprida a obrigação.
Igual princípio se estende às ações estrangeiras relativas a imóveis situados no Brasil, consoante disciplina o art. 8°, já comentado.
O § 2° deste mesmo artigo cogita do cumprimento de rogatórias vindas do exterior.
A rogatória oriunda da justiça estrangeira, conforme já comentários, transita por via diplomática, ou seja, é enviada ao Ministério das Relações Exteriores que, por sua vez, remete-a ao Superior Tribunal de Justiça para o devido exequatur.
Terá, igualmente, de ser cumprida nos termos da diligência requerida sem complicações ou limitações.
A competência para o seu cumprimento é do juiz federal do lugar indicado.
Não serão cumpridas rogatórias estrangeiras sempre que contrariarem a ordem pública e os bons costumes. Entretanto, esta parte é o presidente do STJ quem examina.
As cartas rogatórias remetidas ao exterior pela justiça brasileira serão encaminhadas ao Ministério da Justiça que, por sua vez, remetê-las-á ao Ministério das Relações Exteriores.
Uma vez legalizadas no consulado competente, isto é, traduzidas por pessoas legalmente investidas em tal mister, serão apresentadas à Justiça estrangeira, na forma em que a lei local dispuser.
“Art. 13 A prova dos Fatos ocorridos em países estrangeiros rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.”
O juiz brasileiro, em razão das determinações da lex fori (lei do foro), ou melhor, da lei local, tem o dever de aplicar o direito estrangeiro. Contudo, aquele que alegar a existência de direito estrangeiro, em seu favor, deverá, prová-lo, consoante prescreve o art. 337 do Código de Processo Civil.
São meios de provas: a certidão autenticada pela autoridade consular ou diplomática, livros, revistas, jornais, pareceres de jurisconsultos. E, conforme prescreve o Código Bustamante, até mesmo uma declaração subscrita por dois advogados renomados, residentes no país cuja prova de busca, tem a sua devida validade, ex vi do art. 409.
A prova testemunhal, por seu turno, não serve de meio de prova da existência ou inexistência desse ou daquele direito estrangeiro.
Está ela restrita aos fatos, ou seja, é apenas meio de prova dos fatos, mas nunca de leis.
Em se tratando de documento estrangeiro, para que possa produzir efeito em relação a terceiros, haverá sempre de ser registrado em Títulos e Documentos, nos termos do art. 129, inciso 60, da Lei n° 6.015/73 (Lei de Registros Públicos). Contudo, se o documento refere-se a casamento, nascimento ou óbito de brasileiro em país estrangeiro, desde que legalizada a sua certidão com o visto ou autenticação da autoridade consular competente, será registrada no Cartório do 1º Ofício do domicílio do registrado ou no Primeiro Ofício cio Distrito Federal, na falta do respectivo domicílio. Vejam-se as disposições contidas no art. 32 e seguintes da mesma lei.
“Art. 14 Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoque prova do texto e da vigência.’’
Este artigo é um desdobramento do art. 13.
Não pode, conforme já dissemos, o juiz brasileiro deixar de julgar alegando desconhecer a lei estrangeira.
Tem, destarte, a obrigação de esmiuçar a legislação estrangeira pertinente, a fim de encontrar um dispositivo legal que sirva de embasamento ao seu decisório.
Entretanto, esse seu trabalho não é feito de maneira isolada. A parte interessada também deverá investigar a existência desse mesmo direito, uma vez que por ela mesma foi invocado.
E certo, não o encontrando, o juiz, não poderá deixar de dar um desate ao caso sub judice, acabará por não tomar conhecimento do pedido sob a alegação de que o direito estrangeiro apregoado não existe.
Na realidade, o juiz, à primeira vista, poderá ficar numa posição cômoda de esperar o resultado do trabalho da parte interessada. Todavia, poderá ver a sua decisão devolvida pela instância superior, em razão de a parte haver juntado, ao seu recurso, a prova do direito reclamado.
Art 15 Este artigo já foi comentado em outra ocasião. Contudo, vamos falar apenas dos princípios que tratam da execução extraterritorial das sentenças estrangeiras, ou seja, da aplicação ou dos modos consagrados de aplicação indireta do direito estrangeiro. Vejamos:
I– Sistema de revisão do mérito da sentença
Este, além de ser enfadonho, é descortês. Novo julgamento passa a ser feito com o oferecimento de novas provas.
É como se não existisse uma decisão. Somente após a revisão do mérito, a sentença estrangeira poderá ou não ser ratificada.
Os adeptos deste sistema argumentam que a revisão se impõe com vista a evitar as iniqüidades provenientes da má aplicação da lei.
II – Sistema de revisão parcial do mérito.
Este sistema é adotado com o fim de averiguar a boa ou má aplicação da lei do país em que irá ser executada a sentença anterior.
É um espécie de abrandamento do sistema anterior.
A revisão não será de modo global, mas tão-somente no que tange à aplicação da lei do Estado em cujo território a sentença estrangeira irá produzir efeitos.
III – Sistema da reciprocidade diplomática
Tem base nos tratados. Fica assim a execução da sentença condicionada ao direito convencional.
Se não há tratados entre os dois Estados, ou seja, entre aqueles da procedência da sentença e aquele no qual a execução é pretendida, esta jamais será cumprida.
IV – Sistema da reciprocidade de fato
É muito simples. Apóia-se no principio segundo o qual a execução somente é aceita quando o Estado, cuja sentença se busca executar, procede de igual modo.
V- Sistema da delibação
É muito justo e condizente com a cortesia internacional.
Foi sempre consagrada pela Itália e é o adotado pelo Brasil.
Este sistema não entra no mérito da decisão. Nele, examina-se apenas a forma, ou melhor, se foram observados determinados requisitos.
Estes estão elencados no art. 15 da lei em referência, já comentado, conforme dissemos acima.
“Art. 16 Quando, nos termos dos antigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.”.
A questão do retorno ou da devolução já foi plenamente abordada e, para maior compreensão, com exemplos claros.
Na realidade, as regras de Direito Internacional Privado não são da lavra de um só legislador, tampouco de uma só convenção.
Daí surgirem os diversos conflitos nesta área de cunho positivo, isto é, quando as leis de aplicação de dois ou mais países fixa sua competência para reger a relação jurídica sobre o mesmo direito material, isto porque adotam elementos de conexão diferentes: a nacionalidade e o domicílio.
Há, além do mais, o chamado conflito negativo, quando o caso deverá ser solucionado pela legislação de um Estado, e esta desloca-o para outro que entende também não ser competente.
Na primeira hipótese, isto é, em se tratando de conflito positivo, o problema é de somenos importância, de uma feita que a solução será dada pelo Estado que primeiro tomar conhecimento do caso.
No que tange, ao conflito negativo, já não será de fácil desfecho, porquanto ninguém quer decidir o conflito, e não há tribunal especial para resolver o impasse, como sói acontecer nos julgamentos internos, dentro de cada Estado.
Em razão disto, o art. 16, em exame, foi muito prático e acessível à boa aplicação do direito estrangeiro. Não deu margem a dúvidas. A lei estrangeira há sempre de ser aplicada dentro das suas disposições, mesmo que faça menção à aplicação de outra lei.
“Art. 17 As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.’’

2. SOBERANIA
Na verdade, soberania e poder não são palavras sinônimas. Não têm conteúdo ou substâncias iguais. No entanto, cm sendo o poder a aptidão de decidir e impor dentro dos parâmetros legais, segundo afirmava o nosso mestre Agamenon, a soberania nada mais é senão a expressão maior desse mesmo poder, cognominado de político. Isto significa dizer que a soberania é a suma potestas, isto é, espécie de manifestação do poder contra a qual nenhum outro poder é capaz de sobrepor.
Os doutrinadores costumam dividir a soberania em externa e interna, embora seja uma só. Apenas tem dupla manifestação: externa e interna.
No seu aspecto externo, o Estado se apresenta perante à comunidade internacional sem subordinação, e sem qualquer outra forma de subserviência, e tão-somente em condição de igualdade.
Já internamente, a soberania é expressão maior de poder que acaba sempre sobrepairando os demais. E também chamada de poder supremo.
Enfim, as leis e as ordens que o Estado edita, não subsistiriam, tampouco produziriam qualquer resultado eficaz ao grupo, se não fosse o manifestar da soberania, primeiramente de forma intimidativa, ou seja, por meio da coerção, e depois pelo uso da própria força física, a manu militari, coação.
Quanto à ordem pública já a ela nos reportamos várias vezes. Mesmo assim, em sendo a soma dos valores políticos e morais de um povo, conforme afirmou o saudoso Oscar Tenório, nela estão contidos os bons costumes e a soberania nacional.
O desdobramento contido no contexto do art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil tem como finalidade dissipar qualquer dúvida. Isto porque a lei é feita para o povo, e não somente para os intelectuais e estudiosos da área do Direito.
Bons costumes, por seu turno, estão representados pelo uso repisado e aceito indiscriminadamente pelo grupo, isto é, sem contestação de quem quer que seja.
Em síntese: cada povo tem a sua maneira de ser, de viver, ou seja, seu modus vicendi.
As leis e sentenças estrangeiras que venham a contrariar a filosofia desse povo não podem ter a devida aplicação.
Assim, um árabe casado com três ou mais mulheres não poderá transportar esse seu estado de casado para o Brasil, porque ofende a ordem pública local.
Finalmente, os arts. 18 e 19 da mesma Lei de Introdução ao Código Civil tratam das funções de nossas autoridades consulares em relação ao tabelionato e àquelas de oficiais do Registro Civil.
Podem, em razão disto, celebrar casamento sempre que os nubentes forem brasileiros sem domicílio no lugar da celebração e praticar ato do registro civil, como, por exemplo, a lavratura de registro de nascimento e de óbito de brasileiros, bem como atos de tabelionato, inclusive testamentos.
A validade desses atos depende apenas da inteira observância às normas que regem a espécie, porquanto o cônsul age como um oficial do Registro Civil ou como tabelião, e investido em tais funções, outra alternativa não lhe resta, senão a de cumprir a lei nos seus devidos termos.

O CÓDIGO BUSTAMANTE

É fruto da Convenção de Havana de 20.02.1928.
Foi promulgado aqui no Brasil pelo Decreto-Lei n° 18.871, de 13.08.1929.
Países que o subscreveram: Brasil, Cuba, República Dominicana, Haiti, Panamá, Costa Rica, Nicarágua Honduras, Salvador, Guatemala, Chile, Bolívia, Equador, Peru e Venezuela. São, portanto, ao todo, 15 (quinze) países inclusive 6 (seis) da América do Sul.

Não houve quase divergência entre os signatários, porque cada país escolheu o seu elemento de conexão e exclui o artigo que melhor lhe aprouvesse.
O Brasil optou pela não-aplicação dos arts. 52 e 54, uma vez que tratam de matéria atinente ao divórcio. Hoje, tudo isto está superado. O Brasil já traz, na sua legislação, o instituto do divórcio.

Tem o Código Bustamante 427 artigos assim distribuídos por assunto, ou seja, tratam primeiramente de um título preliminar, contendo regras gerais. A seguir, referem-se à matéria de Direito Civil Internacional, Direito Comercial Internacional, Direito Penal Internacional e, por último, Direito Processual Internacional.

CODIFICAÇÃO E DOUTRINAS

As normas de DIP surgiram nas grandes codificações, mesmo antes de despontarem três grandes doutrinas, uma da lavra de Joseph Story, dos Estados Unidos, outra de F. Carl von Savigny, da Alemanha e, finalmente, aquela de Pasquale S. Mancini, da Itália. Tais doutrinas tiveram retumbante influência nas leis, na jurisprudência, nas convenções e nos tratados de DIP durante os séculos XIX e XX.
As escolas estatutárias perderam completamente o seu valor.

O Código Napoleônico de 1804 teve realmente grande influência na Europa, ascendência esta que também se projetou nos diversos códigos dos Estados americanos.
Trazia, no seu art. 30, o princípio da territorialidade da lei, isto porque adotou como elemento de conexão a lex rei sitae, ou seja, para os imóveis da área francesa. Entretanto, fixou o domicílio para a capacidade e estado das pessoas. Seguiu, assim, as pegadas da velha escola de D’Argentré.

No meio ao normativo francês, surgiu, em 1834, Joseph Story, formado pelo Harvard College, advogado, político, jurisconsulto, membro da Suprema Corte dos EUA e professor de Direito na Universidade de Harvard, inclusive com trânsito livre nos foros americanos e ingleses.

Despontou e se projetou através da obra: Comentários sobre Conflitos de Leis, Estrangeiras e Domésticas, com Relação a Contratos, Direitos e Ações, em especial com Relação a Casamentos, Divórcios, Testamentos, Sucessões e Sentenças. Esta obra também é bastante conhecida só pelo nome Conflict of Laws, ou, na sua expressão maior, Commentaries on the Conflict of Laws, Foreign and Domestic, in regard to Contracts, Rights and Remedies and especially in regard to Marriages, Divorces, Wills, Sucessions and Judgements.

Muitas das suas idéias foram facilmente absorvidas pela atual codificação.
Na realidade, ele afastou-se das escolas estatutárias. Desprezou a divisão estatutos reais, pessoais e mistos. Contudo, acabou por adotar o territorialismo de D’Argentré, mas tão-somente naquilo que lhe era d essencial.
Para a capacidade das pessoas, optou pela lei do domicílio, tendo como exceção apenas as regras para a capacidade de contratar, porquanto achava correto ser a lei do lugar do contrato. Fixou-se na máxima latina lex rei sitae para os bens imóveis.

Quanto ao casamento, submeteu-o à lei do lugar de sua celebração.
O divórcio e as relações dos cônjuges regiam-se pela lei do domicílio atual.
Em síntese, Story adotou o domicílio como regra geral, inclusive para bens móveis que obedeciam à lei do domicílio, ressalvadas apenas as regras quanto aos imóveis e quanto aos atos de celebração do casamento.

Na Alemanha, aparece o grande trabalho do genial Savigny intitulado: Sistema de Direito Romano Atual ou System des Jeutigen Romischen Rechts, correspondente ao Livro 3° da parte geral de sua obra.

Para Savigny, deveria haver uma comunidade de direito entre os povos.
Toda relação jurídica deveria ter uma sede, o seu centro de gravidade através do qual se projetava a vontade dos interessados.
O domicílio deveria ser o elemento de conexão por excelência. Serviria assim para indicar a lei que regulasse a capacidade das pessoas e os direitos de família Entretanto, também adotava a lex rei sitae, para os bens imóveis, enquanto os móveis seriam regidos pela lei do proprietário, desde que estivessem em movimento.

As idéias de Savigny foram prontamente aproveitadas por Teixeira de Emitas, autor do primeiro anteprojeto do nosso Código Civil, inicialmente implantado na Argentina. Veio, posteriormente, influenciar o nosso legislador quando da elaboração dos arts. 10 e 14 da atual Lei de Introdução ao Código Civil, bem assim no tocante à mudança do nosso principal elemento de conexão: a nacionalidade passando a ser o domicílio.
Mancini foi original. Criou a sua doutrina, toda ela embasada na nacionalidade.
Para ele, a lei pessoal era, portanto, a lei nacional. Disciplinava a capacidade, os direitos de família e sucessões, tudo tal qual estava escrito no Código Civil italiano de 1865.

Em síntese, a doutrina de Mancini está inserida nos termos seguintes:
“Leis de direitos públicos, territoriais, aplicando-se a todos no respeito à soberania; de direito privado necessário, pessoais, de efeito extraterritorial, acatando a nacionalidade de cada indivíduo; e de direito voluntário dependendo da autonomia da vontade, sob a influência direta da liberdade”.
Esta doutrina teve grande influência na Europa, pois até hoje a nacionalidade é o elemento de conexão comum aos Estados europeus.

ESCOLAS

ESCOLA ESTATUTÁRIA FRANCESA
Em face do aspecto nebuloso da Escola italiana, um tanto confusa e também difusa, coube a Bertrand D’Argentré, internacionalista francês (1519-1590), nascido em Vitré, educado na Bretanha, a iniciativa de criar referida escola.
De princípio, suas idéias não tiveram a devida aceitação na França, isto porque estavam impregnadas do ranço do feudalismo. Apesar disto, foram encampadas pelos Países Baixos, inclusive pela Alemanha.
Somente no século XVIII, os juristas franceses voltaram suas vistas para a escola de D’Argentré, passando a estudá-la com a necessária seriedade.
D’Argentré deixou evidenciado o seguinte: todo estatuto tem como objeto as coisas ou as pessoas. É, por conseguinte, real ou pessoal. Mais tarde, admitiu a existência de estatutos mistos, sem contudo defini-los.
O real é, por força das circunstâncias, territorial. O pessoal é feito para as pessoas, enquanto o real para as coisas.
O estatuto pessoal, aquele que incide diretamente sobre as pessoas, deveria acompanhá-las para onde fossem. Entretanto, faz D’Angentré certa restrição, ou seja, o estatuto real deveria ser a regra e a exceção, o pessoal. Assim a extraterritorialidade do estatuto pessoal teria aplicação muito limitada. Daí a semelhança da sua escola com os princípios feudais.
Conforme fizemos menção acima, já no século XVIII, três figuras exponenciais do mundo jurídico francês, ou seja, Boulenois, Bouhier e Froland, tentaram reformular a escola de D’Argentré, dando ênfase mais à aplicação extraterritorial dos estatutos, transformando conseqüentemente aquilo que era por D’Argentré exceção em regra.
E argumentavam: tudo assim devia ser feito em obediência aos princípios que norteavam a própria justiça e a comitas gentium uma espécie de cortesia internacional.
Mesmo assim, não obtiveram o êxito pretendido.

2. ESCOLA ESTATUTÁRIA HOLANDESA
Do mesmo modo como a escola francesa, tinha como escopo o aperfeiçoamento da escola italiana. A escola holandesa visava adequar à realidade de sua época os estatutos real e pessoal.
Inicialmente, coube a Nicolaus Burgundus, a divulgação da teoria de D’Argentré.
Procurou, destarte, desenvolver a teoria do referido estatutário francês, dando-lhe os mesmos moldes e a mesma classificação, ou seja, dividiu igualmente os estatutos em reais e pessoais. Os reais eram territoriais, isto é, só tinham aplicação dentro do território do Estado de sua elaboração, enquanto os pessoais podiam ser observados fora de sua área.
Quanto aos estatutos mistos, procurou esclarecê-los do seguinte modo: tratavam de móveis e de imóveis, ou mesmo de pessoas e de imóvel.
Posteriormente, surge Christian Rodenburg (1618-1668), considerado o autêntico criador da escola estatutária holandesa. E assim foi consagrado porque deu-lhe um rumo certo, sem aquelas indecisões da escola francesa.
Fixou-se no critério absoluto da territorialidade de todos os estatutos, isto é, fossem reais (coisas) ou pessoais (pessoas) seriam aplicados tão-somente na área territorial do Estado holandês. Posteriormente, em razão da cortesia internacional (comitas gentium), passou a aceitar a mesma escola a aplicação dos estatutos pessoais, mas tão-somente em casos excepcionais.
A doutrina holandesa foi magistralmente exposta por Urich Huber (1636-1694) em sua obra: Praelectionum Juris Civilis... e tudo ficou delineado dentro dos três axiomas abaixo enumerados:
a) o direito de cada Estado reina nos limites de seu território e rege todos os seus súditos, mas além não tem nenhuma força;
b) devem ser considerados como súditos de um Estado todos aqueles que se encontrem nos limites de seu território, quer estejam aí fixados de maneira definitiva, quer não tenham aí senão estada temporária;

c) os governantes, por cortesia (id comiter agunt), procedem de modo que o direito objetivo de cada povo, depois de ter sido aplicado nos limites de seu território, conserve seus efeitos em toda parte, contanto que nem os Estados estrangeiros nem seus súditos sejam de modo algum prejudicados em seu poder, ou seu direito subjetivo.
Há, no entanto, quem diga que comitas para os holandeses não significava realmente cortesia, e sim necessidade de fato relativa aos interesses particulares.
Entendemos que comitas visava a uma coisa e a outra, ou seja, à necessidade de fato e cortesia.

3. ESCOLA ESTATUTÁRIA ALEMÃ
Não foram os alemães originais. Apresenta-se Johann Nikolas Hert (1652-1710) como sua principal figura.
Procurou dividir os estatutos de maneira bastante prática, ou seja, pessoal, aquele referente ao domicílio, real à situação da coisa; enquanto estabeleceu o regulador da forma como sendo aquele do lugar da celebração do ato.
Coube, igualmente, a Henrich von Cocceji a divisão do direito objetivo em estatutos pessoais, reais e mistos.
Finalmente, as escolas estatutárias não tiveram o devido êxito. Não eram práticas. Eram, sim, confusas e prolixas. Nasceram profusas e confusas com Bártolo. E as demais nada fizeram senão dar continuidade à indecisão inicial.

4. CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO
Há uma expressão bastante elucidativa e sintética que descreve com a devida precisão a condição jurídica do estrangeiro através dos tempos.
Vejamos o que disse Labolaye:
‘‘L’étranger n’est plus un ennemi comme dan l’antiquité, un serf comme dan le moyen-âge, un aubain comme au dernier siècle, c’est un hóte à qui l’on reconnait tous les droits civils et qu’on accueille en ami.”
Traduzindo:
“O estrangeiro não é mais inimigo comum como na antiguidade, um servo como na Idade Média, um forasteiro como no último século (XIX), é um hóspede a quem são reconhecidos todos os direitos civis e a quem se acolhe como amigo.”
É preciso esclarecer, ou seja, no Feudalismo, praticamente não havia trânsito de pessoas. Entretanto, algumas delas deixavam o feudo ou a senhoria para viver no estrangeiro. Lá o aubain, como eram chamadas tais pessoas, fazia um voto de confiança ao novo senhor. Caso contrário, passava a ser servo. Não tinha direito algum, isto é, quando morria, os seus bens eram do senhor feudal. Era o chamado direito de albinágio. Seus bens não se transmitiam àquelas pessoas que deveriam ser suas herdeiras ou herdeiros.
A Revolução francesa aboliu o direito de albinágio (Decreto de 06.08.1790).
Já o Código Napoleônico retrocedeu. Pois, os seus arts. 726 e 912 proibiam aos estrangeiros receberem e transmitirem herança.
Posteriormente, através do seu art. 11, concedeu aos estrangeiros os mesmos direitos civis que os franceses têm no seu país de origem.
Por outro lado, o Instituto de Direito Internacional, reunião de Genebra (1874), manifestou-se favoravelmente pelo reconhecimento dos direitos civis aos estrangeiros, mesmo não havendo tratados.
Na realidade, a maioria dos países mais tarde acatou esta resolução. Impôs apenas tratamento recíproco aos seus nacionais como, por exemplo, a Alemanha, a Áustria, a Rússia, Portugal, França etc.
Uma vez suspensos ou cancelados esses direitos civis aos seus nacionais, o estrangeiro, do país que de tal modo agiu, não fará igualmente jus ao exercício desses mesmos direitos.
Nas Américas, nunca existiu esta política de dente por dente e olho por olho.
Aqui, principalmente no Brasil, o estrangeiro, desde que entre em nosso território regularmente, está, em regra, equiparado aos nacionais no que se refere direitos civis (CF, Art. 5°, caput).
Igual tratamento está contido na Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem assim no Código Bustamante.

UMA SÍNTESE DA APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO

O direito estrangeiro é aplicado de maneira direta e indireta.
Na aplicação direta, o processo tem a devida tramitação perante o juiz do foro.
A primeira tarefa do juiz é identificar o elemento de conexão.
Conhecido este saberá, conseqüentemente, qual a lei a ser aplicada ao caso sob exame, ou seja, se a nacional ou a estrangeira.
Em se tratando de lei estrangeira, passará à qualificação.
Distinguida a instituição estrangeira e, em havendo identidade desta com uma do nosso sistema jurídico, o juiz investirá se referida lei não conflita com a nossa ordem pública.
O trabalho subseqüente é interpretação. No entanto, este deverá ser dentro dos critérios previstos pelo direito pátrio.
Se conflita com a ordem pública, não há mais o que fazer, a lei estrangeira não será adaptada.
Se a instituição, cuja aplicação é prevista, não é conhecida, só restará ao juiz, através do mérito comparativo, buscar uma outra do nosso direito que lhe seja pelo menos semelhante.
Quanto ao processo a ser observado é sempre o da lex fori, ou seja, as regras processuais da lei nacional.
A prova será aquela do direito estrangeiro, mesmo assim, os nosso tribunais não aceitam prova que a lei brasileira desconheça.

16. APLICAÇÃO INIDIRETA
Nesta, a sentença é proferida por juiz estrangeiro. Apenas a execução será no Brasil, o explicando, produzir-se-ão os seus efeitos aqui.
Entretanto, nenhuma sentença estrangeira poderá ser executada no Brasil, se não passar pelo crivo do Supremo Tribunal Federal.
Somente após ser homologada pela referida Corte, será executada nos lermos previstos.
Para que isto aconteça, faz-se mister que reúna os seguintes requisitos:
a) Haver sido proferida por juiz competente.
O Supremo aqui examinará se o juiz competente era o brasileiro.
E evidente, se a competência era ou é do juiz brasileiro, a sentença não será homologada.
Nos termos do art. 12 da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, a competência é sempre da autoridade jurídica brasileira, quando o réu for domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.
Além do mais, se a ação dizia respeito a imóveis situados no Brasil, a competência também era da Justiça brasileira.

b) Terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado
a revelia.
O exame deste requisito é feito à luz do direito estrangeiro, ou seja, do sistema jurídico da procedência da sentença.
A citação não deixa de ser um ato através do qual é dado conhecimento ao réu da existência de unia ação contra sua esposa, tendo ele conseqüentemente o prazo para oferecer sua resposta, sob pena de, não o fazendo, ser decretada a sua revelia.
A revelia, por seu turno, importa na aceitação dos termos da petição inicial como verdadeiros.

c) Ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida.
Sentença que passa em julgado e aquela contra a qual não cabe mais recurso.
Exauridos os recursos, dir-se-á que a sentença transitou em julgado. Tudo deve ser examinado como se a decisão tivesse de ser executada no lugar em que foi proferida.
E assim sendo, o exame também deverá ser feito com fulcro na lei de sua procedência.

c) Estar traduzida por intérprete autorizado.
É claro, a sentença para ser compreendida deve ser traduzida para o idioma nacional e por tradutor público ou, na falta, por pessoa designada para tal fim.
Assim como na aplicação direta, o exame da ordem pública também se impõe.
Se realmente houver conflito da sentença exeqüenda com os bons costumes ou com a soberania nacional, não será executada no Brasil.
Este é o sistema da deliberação por meio do qual é observada apenas a forma da decisão sem entrar no mérito.

ESBOÇO

ESBOÇO HISTÓRICO. ROMA E O JUS GENTIUM. INVASÃO DOS BÁRBAROS E A PERSONALIDADE DAS LEIS. FEUDALISMO E A TERRITORIALIDADE. AS COMUNAS ITALIANAS. ESCOLAS ESTATUTÁRIAS. CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO NAS ÉPOCAS MODERNA E CONTEMPORÂNEA. A CODIFICAÇÃO. O CÓDIGO BUSTAMANTE
Na Antigüidade inexistiu regra de Direito Internacional Privado. O estrangeiro era considerado bárbaro, hostil ao meio. Podia até mesmo ser sacrificado ou destruído, conforme autorizava a legislação chinesa.
Foi realmente o fato econômico que lhe serviu de uma espécie de “passaporte” para penetrar nas cidades gregas e romanas.
Na verdade, referidas cidades acolheram os estrangeiros tão-somente em razão de interesses econômicos e jamais políticos.
Posteriormente, a proteção ao estrangeiro se estendeu até mesmo àqueles que estavam de passagem.
Em Atenas, o estrangeiro chama-se meteco. Não era cidadão grego. Mas, desde que estivesse domiciliado, tinha seus direitos civis equiparados aos dos gregos.
Tinha pleno exercício de suas atividades comerciais e industriais. No entanto, somente podia adquirir casas ou terras com a autorização do decreto do povo.
Dispunha, além do mais, de uma judicatura especial para julgá-lo. Denominava-se de polemarca.
Na Grécia, havia ainda mais um cidadão encarregado de zelar pelos interesses dos metecos. Era chamado de próxeno. Tratava-se de um conselheiro, um orientador com atuação nas transações comerciais. Era como se fosse um cicerone, um intermediário.
Os laços de entrelaçamento entre gregos e estrangeiros cresceram tanto, a ponto de as cidades firmarem, entre si, tratados chamados de asília, não somente para garantia da segurança dos seus súditos como também dos próprios negócios por eles mesmos realizados.
É evidente que isto não foi o início ou o atestado de nascimento do Direito Internacional Privado, mas constituiu a primeira tentativa de sua criação.
Convém ressaltar que o meteco chegou até mesmo a gozar de certos direitos políticos e civis e, em razão disto, era chamado de isótele.
Em Roma, o estrangeiro podia ser vendido como escravo. Seus bens eram sempre seqüestrados. Posteriormente, foi elevado à categoria de peregrino com o reconhecimento de certos direitos civis.
O jus civile e o jus gentium constituíam direitos com fins diferentes, ou seja, o primeiro se referia aos direitos dos cidadãos romanos, enquanto o segundo, àqueles dos estrangeiros. Contudo, ainda não era o nascedouro do Direito Internacional Privado, isto porque Roma não mantinha tratados com outros povos. Todas as suas concessões aos estrangeiros eram frutos de atos unilaterais. Surge, nesse período, a figura do pretor peregrino que procurava sempre solucionar as questões existentes entre estrangeiros e romanos, ou mesmo entre apenas os estrangeiros residentes ou domiciliados em Roma.
A princípio, o jus gentium era constituído de usos destinados às embaixadas. Depois, passou a ser um direito comum a todos os povos, obra da própria razão. Sua influência foi tão eficaz que chegou mesmo a absorver o jus civile.
Veio a invasão do Império Romano pelos bárbaros em 476. Em conseqüência, surgiu um regime jurídico denominado personalidade do direito. Em razão disto, a lei perdeu o caráter territorial até então existente. Os direitos de cada um eram aqueles das leis de sua tribo ou de sua nação. Prevalecia então o jus sanguinis, o direito do sangue.
Os bárbaros, por serem inferiores em matéria de cultura aos romanos, não souberam absorver as leis destes, ou melhor, entender a sua aplicação, e, por isto, tomaram uma decisão prática, ou seja, cada um se rege por suas leis. Na hipótese de conflito entre a lei do vencedor e a do vencido, prevalecia a do primeiro.
Apesar do ocorrido, o regime jurídico da personalidade do direito foi pouco a pouco desaparecendo com a mesclagem das raças dentro do mesmo solo. Deixaram assim de vigorar lado a lado as leis antigas romanas e as novas tais como as visigóticas, lombardas, franco-ripuárias, alamanas, bávavas, burgúndias etc.
Coube à Espanha a iniciativa de extinguir o regime da personalidade do direito com a unificação de sua legislação. Isto ocorreu no século VIII com o Codex Wisigothorum.
Já em meados do século IX, com a morte de Carlos Magno, dissolveu-se o Império Carlovíngio , sendo esta a causa do estabelecimento da territorialidade das leis.
Debilitou-se o poder central. O indivíduo sobrepunha-se ao grupo. Conseqüentemente, a autoridade do rei tornou-se limitada. Não ia além de sua corte.
Surgiu uma figura nova, ou seja, o senhor feudal, sendo uma espécie de rei em seu feudo.
Só existia uma ordem jurídica, e esta era a do senhor feudal.
Estabeleceu-se, de maneira resoluta, a territorialidade das leis, ou seja, o princípio do jus soli.
Convém ressaltar que o feudalismo, apesar de ter-se firmado na Europa, na Itália não estava tão sólido como no restante daquele continente.
Foi justamente no Norte da Itália que floresceu grande intercâmbio de pessoas pertencentes a cidades diferentes, tais como: Milão, Bolonha, Florença, Pisa, Perusa, Veneza, Módena etc, tudo em conseqüência do grande crescimento comercial e industrial dessas comunas.
Não havia, entretanto, normas de DIP disciplinando este inter-relacionamento. Os problemas foram surgindo e as soluções ficavam a toque de espera.
Aparecem os primeiros glosadores. Irnerius, fundador da Escola de Bolonha, juntamente com Bulgarus, Martinus, Ugo, lacobus e Accursius passaram a estudar os textos romanos, principalmente o Corpus Juris. Faziam, assim, breves notas interlineares ou marginais. Daí a razão de serem chamados de glosadores.
Elaboraram várias glosas e a mais importante delas foi a Quod si bononiensis..., atribuída a Accursius.
Podemos dizer que o trabalho dos glosadores nada mais foi do que uma espécie de colheita de tudo aquilo existente no Direito Romano relacionado ao convívio de Roma com os estrangeiros.
Em razão disto, já no começo do século XIII até o século XIV, nasceu no norte da Itália com propagação nas cidades de Perusa, Pádua, Pisa e Paiva, a escola dos pós-glosadores. Surgiu então, como estrela de primeira grandeza, a figura de Bártolo, cognominado de pai do DIP.
Aparecem, também com grande destaque, Cino de Pistóia e Baldo de Ubaldis.
Nasceu, em razão disto, a chamada ESCOLA ESTATUTÁRIA ITALIANA e, conseqüentemente, o próprio DIP.
Bártolo de Saxoferrato (1314-1357) dividiu os estatutos em reais e pessoais.
O estatuto pessoal está ligado ao súdito, enquanto o real observa a lei da situação da coisa. Não tem aplicação fora do território do Estado.
Diferençou ainda os estatutos pessoais em permissivos e proibitivos.
Estes últimos, ou seja, os proibitivos, subdividiam-se em odiosos e favoráveis.
Segundo Meijers, somente os favoráveis tinham aplicação extraterritorial. Entretanto, a distinção entre aquilo que era favorável ou desfavorável não foi possível fazê-la.
Trata-se, como se verifica, de uma divisão confusa e sem cunho científico. Melhor seria que o famoso internacionalista italiano não tivesse ido além da divisão dos estatutos em pessoais e reais.

LIMITES

LIMITES À APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO. ORDEM PÚBLICA. FRAUDE À LEI. INSTITUIÇÃO DESCONHECIDA. FAVOR NEGOTII. PRÉLÈVEMENT. EFEITOS NO BRASIL DAS SENTENÇAS DE DIVÓRCIO


O direito estrangeiro nem sempre é aplicado em toda a sua amplitude.
Cada Estado tem o seu sistema regulador de aplicação da lei estrangeira.
E como o conceito de ordem pública varia em relação ao tempo e ao espaço, existem, dentro dos diversos sistemas jurídicos da comunidade das nações, salvaguardas que poderíamos chamar de imunológicas, visando à não aplicação de certas leis estrangeiras.
A noção de ordem pública começou com Savigny, no século XIX. Entretanto, há opiniões segundo as quais os estatutos odiosos de autoria de Bártolo, o criador da Escola Italiana (século XIII), traziam, no seu bojo, princípios de ordem pública.
Na verdade, o conceito de ordem pública não está previsto nos textos das leis.
Tudo fica a critério do julgador. Entretanto, a doutrina deixa antever que a soma dos valores morais e políticos de um povo constitui aquilo que podemos chamar de ordem pública.
Haroldo Valladão, conforme já frisamos anteriormente, definiu os elementos de conexão como mísseis que transportam as leis de um para outro Estado.
Em função disto, diremos que ordem pública nada mais é do que antimísseis interceptadores de algumas dessas leis, a fïm de que não tenham a aplicação pretendida.
Essas leis seriam espécies de “micróbios” que iriam contaminar um “corpo” sadio, ou seja, acabariam por perturbar uma sociedade no seu modus vivendi, na sua tranqüilidade e nos seus bons costumes.
A ordem pública compreende não somente a soberania nacional, mas, também, os bons costumes.
Clóvis Beviláqua bem definiu soberania nacional. Para ele “soberania nacional é um conjunto de poderes que constitui a nação politicamente organizada”.
Quanto aos bons costumes, foi categórico: “os que estabelecem as regras de proceder, reações domésticas e sociais em harmonia com elevados fins da vida humana”.
A soberania, por seu turno, divide-se em: externa e interna.
Na soberania externa, o Estado passa a ser independente e livre perante os demais.
É, no dizer de Paulo Bonavides, uma qualidade de poder que o Estado poderá ostentar ou deixar de ostentar.
A soberania interna constitui uma espécie de supremacia do Estado sobre os demais poderes sociais. Aqui, o Estado impõe sua vontade sobre aquelas dos indivíduos e dos grupos.
É, assim, a soberania interna o mais alto poder exercido pelo próprio Estado perante os seus súditos.
A soberania externa nada mais é do que uma expressão da independência desse mesmo Estado.

1. FRAUDE À LEI.
A fraude à lei deveria estar incluída na ordem pública. Entretanto, por apresentar características especiais, é sempre vista e estudada de modo autônomo e independente.
É a fraude à lei constituída de dois elementos: o material ou objetivo e o espiritual ou subjetivo.
O elemento objetivo está identificado pela realização de atos violadores da ordem interna, cujos efeitos vão sempre chocar-se com as determinações legais. O elemento subjetivo tem como escopo a evidente intenção de o nacional fugir aos efeitos de uma norma imperativa.
A fraude à lei, no âmbito do DIP, é um tanto diferente daquela prevista no direito interno. Neste, a vontade é desviada visando causar prejuízo a terceiro em proveito do seu artífice. Na fraude à lei na área do DIP, o lesado nunca é a pessoa física em si, senão que a coletividade.
Tanto a ordem pública como a fraude à lei excluem a aplicação da lei estrangeira.
Um exemplo típico de fraude à lei na área do DIP seria o daquele brasileiro que, não tendo capacidade para casar, fugisse daqui para outro país onde o teto de idade, para adquirir o indivíduo capacidade plena, fosse inferior ao nosso, isto é, abaixo dos 21 anos. Observe-se que, atualmente, a idade é de 18 anos.
Nesta hipótese, desde que realizado o pretendido casamento, jamais seria acolhido por nossa legislação por constituir fraude à lei.
Mesmo assim, se a sua mudança fosse uma conseqüência de ter o seu pai, no caso um diplomata, se transferido para o mesmo país, inexistiria nulidade, porquanto faltaria um dos elementos da fraude, ou seja, o animus.

2.INSTITUIÇÕES DESCONHECIDAS
Em razão das diferenças de raça, costumes, tradições, religiões, os ordenamentos jurídicos dos vários Estados nem sempre se afinam por não trazer, por via de conseqüência, um só princípio ético, político e técnico.
Assim, quando há incompatibilidade profunda entre a lex fori, e a lei estrangeira, estamos diante daquilo que se convencionou chamar de instituição desconhecida.
Para alguns, surge o problema de dupla qualificação, isto é, o juiz primeiramente verificará se a instituição estrangeira é conhecida ou se tem similar dentro do seu sistema. Não encontrando nem uma coisa nem outra, ipso facto, passará a examinar a sua origem, descendo aos seus fundamentos, às suas raízes, recorrendo, destarte, aos princípios básicos do seu sistema.
Partirá do exame básico dos elementos ético, político e jurídico e fará, no curso da pesquisa, uma comparação acurada entre um sistema e outro, isto é, entre as colunas-mestras do seu ordenamento jurídico e aquelas cuja lei deverá aplicar.
O chamado método comparativo ou direito comparativo servirá de instrumento eficaz para ser feita esta segunda qualificação.
Conhecida a referida instituição após o trabalho exposto, irá o juiz submetê-la aos ditames da ordem pública.
O direito brasileiro tem um instituto pouco conhecido por outras legislações, ou seja, bem de família. Na Europa, este instituto é, em alguns países, desconhecido.
Assim sendo, o juiz europeu terá, sempre que deparar com o nosso bem de família, um problema semelhante ao exposto.
Em face da existência do usufruto em algumas daquelas legislações, haverá de encontrar muita semelhança entre o primeiro e o segundo. Daí, à primeira vista, a solução do impasse.

3. PRÉLÈVEMENT
Trata-se de uma palavra francesa que literalmente falando significa: tirar antes, 1ª parte de uma peça teatral.
Juridicamente falando, representa a figura de uma lei imperfeita, isto é, daquela lei que é sempre aplicada visando ao interesse do nacional e não indistintamente.
O exemplo mais claro é o do art. 10, § 10, da Lei de Introdução ao Código Civil. Vejamos:
“A vocação para suceder em bens de estrangeiro situado no Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal, sempre que não lhes seja mais favorável a lei do domicílio.”

4. FAVOR NEGOTII
Referida expressão latina diz respeito ao principio da lei mais favorável.
É evidente que corresponde ao prélèvement do direito francês.
Haroldo Valladão nos dá preciosa lição sobre o uso da expressão favor negotii e da palavra francesa prélèvement. Vejamos: “outros limites existem à aplicação da lei estranha ou estrangeira”.
Um deles, apontado por Freitas, é o princípio da lei mais favorável do favor negotii. Esboço, 1865, art. 5º, excluindo a aplicação das leis estrangeiras, “quando as leis deste Código, em colisão com estrangeiras, forem mais favoráveis dos atos”, esclarecendo ele em nota “... bem se vê que é geral ou a validade aproveite o nacional ou o estrangeiro” e salientando que “nos livros franceses... aparece como um favor aos nacionais a doutrina do interesse nacional, caso Lisardi, 1861... impregnada do jus quiritium, proprium civitatis, do primitivo direito romano”.
A palavra francesa prélèvement tem o mesmo sentido da expressão latina favor negotti.
Ambas visam ao favorecimento do nacional quando da aplicação da lei em detrimento do estrangeiro. Apenas, o prélèvement do direito francês tem sentido amplo, abrange tanto o Direito Civil como o Direito Comercial. Enquanto isso, o favor negotti fica restrito à área do Direito Comercial.
No direito positivo brasileiro, o principio teve aplicação pelo Reg. 737, de 1850, art. 3º, alínea l, in fine. Tinha por fim validar contrato firmando por estrangeiro incapaz que dele havia auferido utilidade. Posteriormente apareceu no art. 42, parágrafo único, da Lei nº 2.044, de 1908, cujo texto é o seguinte:
“Tendo a capacidade pela lei brasileira, o estrangeiro fica obrigado pela declaração que firmar, sem embargo da sua incapacidade pela lei do Estado a que pertencer”.
Igual princípio está estatuído no art. 10, § 1º, da vigente Lei de Introdução ao Código Civil, aqui citada como lei imperfeita, isto é, com aplicação visando a beneficiar o nacional.
Seu emprego, pela legislação brasileira, vem do Império consoante citação feita por Haroldo Valladão.

5. HOMOLOGAÇÃO DAS SENTENÇAS DE DIVÓRCIO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Primeiramente, o STF não homologava sentença de divórcio por entender que ia de encontro à índole do nosso povo, isto é, feria a ordem pública.
Depois, passou a homologá-la apenas como sentença de desquite.
Na terceira fase, reconhecia para o estrangeiro como divórcio e para o brasileiro ou brasileira, conforme fosse o caso, como desquite, podendo o estrangeiro, inclusive, casar no Brasil.
Em face desta discriminação, surgiu, entre nós brasileiros, um estado de insatisfação. Por conseguinte, onde não há igualdade de tratamento não pode haver aplicação de justiça.
Em razão disto, o STF passou a reconhecer o divórcio para o estrangeiro e desquite para o brasileiro ou brasileira. Contudo, ambos ficavam impedidos de casar no Brasil.
O Brasil de hoje, como é notório, optou pela separação consensual ou judicial. E nos termos da Lei n° 6.515/77, a redação do § 6° do art. 7º da Lei de Introdução ao Cód. Civil passou a ser a seguinte:
“O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de três anos da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeira no País. O Supremo Tribunal Federal, na forma do seu Regimento, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.”
Referido dispositivo legal não foi tão exigente. Reconheceu apenas o divórcio realizado no estrangeiro entre um casal de brasileiros, ou quando pelo menos um dos cônjuges é brasileiro.
Dispensou, destarte, a prévia separação consensual ou judicial. Contudo, deixou evidenciado em suas disposições que o estrangeiro casado com brasileiro ou vice-versa, ou em se tratando de brasileiros divorciados no exterior, haverão sempre que se submeter às regras do nosso direito.
O prazo de três anos passou por certa mutação conforme o artigo 226, § 6°, da CF/88. Vejamos: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.