sábado, 27 de setembro de 2008

LIMITES

LIMITES À APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO. ORDEM PÚBLICA. FRAUDE À LEI. INSTITUIÇÃO DESCONHECIDA. FAVOR NEGOTII. PRÉLÈVEMENT. EFEITOS NO BRASIL DAS SENTENÇAS DE DIVÓRCIO


O direito estrangeiro nem sempre é aplicado em toda a sua amplitude.
Cada Estado tem o seu sistema regulador de aplicação da lei estrangeira.
E como o conceito de ordem pública varia em relação ao tempo e ao espaço, existem, dentro dos diversos sistemas jurídicos da comunidade das nações, salvaguardas que poderíamos chamar de imunológicas, visando à não aplicação de certas leis estrangeiras.
A noção de ordem pública começou com Savigny, no século XIX. Entretanto, há opiniões segundo as quais os estatutos odiosos de autoria de Bártolo, o criador da Escola Italiana (século XIII), traziam, no seu bojo, princípios de ordem pública.
Na verdade, o conceito de ordem pública não está previsto nos textos das leis.
Tudo fica a critério do julgador. Entretanto, a doutrina deixa antever que a soma dos valores morais e políticos de um povo constitui aquilo que podemos chamar de ordem pública.
Haroldo Valladão, conforme já frisamos anteriormente, definiu os elementos de conexão como mísseis que transportam as leis de um para outro Estado.
Em função disto, diremos que ordem pública nada mais é do que antimísseis interceptadores de algumas dessas leis, a fïm de que não tenham a aplicação pretendida.
Essas leis seriam espécies de “micróbios” que iriam contaminar um “corpo” sadio, ou seja, acabariam por perturbar uma sociedade no seu modus vivendi, na sua tranqüilidade e nos seus bons costumes.
A ordem pública compreende não somente a soberania nacional, mas, também, os bons costumes.
Clóvis Beviláqua bem definiu soberania nacional. Para ele “soberania nacional é um conjunto de poderes que constitui a nação politicamente organizada”.
Quanto aos bons costumes, foi categórico: “os que estabelecem as regras de proceder, reações domésticas e sociais em harmonia com elevados fins da vida humana”.
A soberania, por seu turno, divide-se em: externa e interna.
Na soberania externa, o Estado passa a ser independente e livre perante os demais.
É, no dizer de Paulo Bonavides, uma qualidade de poder que o Estado poderá ostentar ou deixar de ostentar.
A soberania interna constitui uma espécie de supremacia do Estado sobre os demais poderes sociais. Aqui, o Estado impõe sua vontade sobre aquelas dos indivíduos e dos grupos.
É, assim, a soberania interna o mais alto poder exercido pelo próprio Estado perante os seus súditos.
A soberania externa nada mais é do que uma expressão da independência desse mesmo Estado.

1. FRAUDE À LEI.
A fraude à lei deveria estar incluída na ordem pública. Entretanto, por apresentar características especiais, é sempre vista e estudada de modo autônomo e independente.
É a fraude à lei constituída de dois elementos: o material ou objetivo e o espiritual ou subjetivo.
O elemento objetivo está identificado pela realização de atos violadores da ordem interna, cujos efeitos vão sempre chocar-se com as determinações legais. O elemento subjetivo tem como escopo a evidente intenção de o nacional fugir aos efeitos de uma norma imperativa.
A fraude à lei, no âmbito do DIP, é um tanto diferente daquela prevista no direito interno. Neste, a vontade é desviada visando causar prejuízo a terceiro em proveito do seu artífice. Na fraude à lei na área do DIP, o lesado nunca é a pessoa física em si, senão que a coletividade.
Tanto a ordem pública como a fraude à lei excluem a aplicação da lei estrangeira.
Um exemplo típico de fraude à lei na área do DIP seria o daquele brasileiro que, não tendo capacidade para casar, fugisse daqui para outro país onde o teto de idade, para adquirir o indivíduo capacidade plena, fosse inferior ao nosso, isto é, abaixo dos 21 anos. Observe-se que, atualmente, a idade é de 18 anos.
Nesta hipótese, desde que realizado o pretendido casamento, jamais seria acolhido por nossa legislação por constituir fraude à lei.
Mesmo assim, se a sua mudança fosse uma conseqüência de ter o seu pai, no caso um diplomata, se transferido para o mesmo país, inexistiria nulidade, porquanto faltaria um dos elementos da fraude, ou seja, o animus.

2.INSTITUIÇÕES DESCONHECIDAS
Em razão das diferenças de raça, costumes, tradições, religiões, os ordenamentos jurídicos dos vários Estados nem sempre se afinam por não trazer, por via de conseqüência, um só princípio ético, político e técnico.
Assim, quando há incompatibilidade profunda entre a lex fori, e a lei estrangeira, estamos diante daquilo que se convencionou chamar de instituição desconhecida.
Para alguns, surge o problema de dupla qualificação, isto é, o juiz primeiramente verificará se a instituição estrangeira é conhecida ou se tem similar dentro do seu sistema. Não encontrando nem uma coisa nem outra, ipso facto, passará a examinar a sua origem, descendo aos seus fundamentos, às suas raízes, recorrendo, destarte, aos princípios básicos do seu sistema.
Partirá do exame básico dos elementos ético, político e jurídico e fará, no curso da pesquisa, uma comparação acurada entre um sistema e outro, isto é, entre as colunas-mestras do seu ordenamento jurídico e aquelas cuja lei deverá aplicar.
O chamado método comparativo ou direito comparativo servirá de instrumento eficaz para ser feita esta segunda qualificação.
Conhecida a referida instituição após o trabalho exposto, irá o juiz submetê-la aos ditames da ordem pública.
O direito brasileiro tem um instituto pouco conhecido por outras legislações, ou seja, bem de família. Na Europa, este instituto é, em alguns países, desconhecido.
Assim sendo, o juiz europeu terá, sempre que deparar com o nosso bem de família, um problema semelhante ao exposto.
Em face da existência do usufruto em algumas daquelas legislações, haverá de encontrar muita semelhança entre o primeiro e o segundo. Daí, à primeira vista, a solução do impasse.

3. PRÉLÈVEMENT
Trata-se de uma palavra francesa que literalmente falando significa: tirar antes, 1ª parte de uma peça teatral.
Juridicamente falando, representa a figura de uma lei imperfeita, isto é, daquela lei que é sempre aplicada visando ao interesse do nacional e não indistintamente.
O exemplo mais claro é o do art. 10, § 10, da Lei de Introdução ao Código Civil. Vejamos:
“A vocação para suceder em bens de estrangeiro situado no Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal, sempre que não lhes seja mais favorável a lei do domicílio.”

4. FAVOR NEGOTII
Referida expressão latina diz respeito ao principio da lei mais favorável.
É evidente que corresponde ao prélèvement do direito francês.
Haroldo Valladão nos dá preciosa lição sobre o uso da expressão favor negotii e da palavra francesa prélèvement. Vejamos: “outros limites existem à aplicação da lei estranha ou estrangeira”.
Um deles, apontado por Freitas, é o princípio da lei mais favorável do favor negotii. Esboço, 1865, art. 5º, excluindo a aplicação das leis estrangeiras, “quando as leis deste Código, em colisão com estrangeiras, forem mais favoráveis dos atos”, esclarecendo ele em nota “... bem se vê que é geral ou a validade aproveite o nacional ou o estrangeiro” e salientando que “nos livros franceses... aparece como um favor aos nacionais a doutrina do interesse nacional, caso Lisardi, 1861... impregnada do jus quiritium, proprium civitatis, do primitivo direito romano”.
A palavra francesa prélèvement tem o mesmo sentido da expressão latina favor negotti.
Ambas visam ao favorecimento do nacional quando da aplicação da lei em detrimento do estrangeiro. Apenas, o prélèvement do direito francês tem sentido amplo, abrange tanto o Direito Civil como o Direito Comercial. Enquanto isso, o favor negotti fica restrito à área do Direito Comercial.
No direito positivo brasileiro, o principio teve aplicação pelo Reg. 737, de 1850, art. 3º, alínea l, in fine. Tinha por fim validar contrato firmando por estrangeiro incapaz que dele havia auferido utilidade. Posteriormente apareceu no art. 42, parágrafo único, da Lei nº 2.044, de 1908, cujo texto é o seguinte:
“Tendo a capacidade pela lei brasileira, o estrangeiro fica obrigado pela declaração que firmar, sem embargo da sua incapacidade pela lei do Estado a que pertencer”.
Igual princípio está estatuído no art. 10, § 1º, da vigente Lei de Introdução ao Código Civil, aqui citada como lei imperfeita, isto é, com aplicação visando a beneficiar o nacional.
Seu emprego, pela legislação brasileira, vem do Império consoante citação feita por Haroldo Valladão.

5. HOMOLOGAÇÃO DAS SENTENÇAS DE DIVÓRCIO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Primeiramente, o STF não homologava sentença de divórcio por entender que ia de encontro à índole do nosso povo, isto é, feria a ordem pública.
Depois, passou a homologá-la apenas como sentença de desquite.
Na terceira fase, reconhecia para o estrangeiro como divórcio e para o brasileiro ou brasileira, conforme fosse o caso, como desquite, podendo o estrangeiro, inclusive, casar no Brasil.
Em face desta discriminação, surgiu, entre nós brasileiros, um estado de insatisfação. Por conseguinte, onde não há igualdade de tratamento não pode haver aplicação de justiça.
Em razão disto, o STF passou a reconhecer o divórcio para o estrangeiro e desquite para o brasileiro ou brasileira. Contudo, ambos ficavam impedidos de casar no Brasil.
O Brasil de hoje, como é notório, optou pela separação consensual ou judicial. E nos termos da Lei n° 6.515/77, a redação do § 6° do art. 7º da Lei de Introdução ao Cód. Civil passou a ser a seguinte:
“O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de três anos da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeira no País. O Supremo Tribunal Federal, na forma do seu Regimento, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.”
Referido dispositivo legal não foi tão exigente. Reconheceu apenas o divórcio realizado no estrangeiro entre um casal de brasileiros, ou quando pelo menos um dos cônjuges é brasileiro.
Dispensou, destarte, a prévia separação consensual ou judicial. Contudo, deixou evidenciado em suas disposições que o estrangeiro casado com brasileiro ou vice-versa, ou em se tratando de brasileiros divorciados no exterior, haverão sempre que se submeter às regras do nosso direito.
O prazo de três anos passou por certa mutação conforme o artigo 226, § 6°, da CF/88. Vejamos: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

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