sábado, 27 de setembro de 2008

QUALIFICAÇÕES

Se todos os sistemas jurídicos tivessem seus instrumentos iguais, enfeixados nos mesmos títulos e capítulos, inexistiria a chamada doutrina das qualificações.
Ocorrem que os conceitos variam de legislação para legislação, tanto no que tange ao linguajar como também à qualificação. Fica portanto a indagação: qual é a lei que qualifica a coisa:
A exemplo disto, podemos citar a noção de personalidade que está vinculada a certas controvérsias, como aquela de nascer com vida e com forma humana, ou somente nascer com vida.

Os códigos dos países europeus, na sua maioria, frisam que a personalidade começa no nascimento com vida e com forma humana. Enquanto isto, o nosso Código Civil é taxativo: a personalidade começa no nascimento com vida. Isto, por si só, basta.
Igualmente, o conceito de domicílio varia de legislação para legislação. No Direito brasileiro, domicílio está caracterizado pelo elemento objetivo (residência) e pelo elemento subjetivo (animus de permanecer), enquanto o Direito francês entende que domicílio é o lugar onde a pessoa tem o principal estabelecimento ou o centro de suas atividades.

As divergências não ficam somente aqui. Elas aparecem também na divisão dos bens em imóveis e móveis, bem assim no que se refere aos bens de comércio e fora dele.
E, finalmente, as coisas se complicam mais quando existe, em determinada legislação, uma instituição inteiramente desconhecida por outra. Estamos assim diante das chamadas instituições desconhecidas, assunto que será estudado quando tratarmos dos limites da aplicação do direito estrangeiro.

Aqueles, que se dedicam ao estudo do DIPr, de início haverão de indagar: como serão resolvidas tantas controvérsias?
Bartin, famoso internacionalista francês, resolveu tudo de maneira muito simples e fácil, ou seja, através da Lex Fori ou da Lei do Foro.
Assim sendo, o juiz, ao aplicar o direito estrangeiro, não deve se preocupar com a qualificação do instituto por parte do sistema de sua origem, e sim tomando como base a sua própria lei.

Foram seus seguidores: Weiss, Nussbaum e Anziloiti. O primeiro com atuação na França, o segundo, na Alemanha e o último, na Itália.
Não é, entretanto, pacífica a opinião desses conceituados doutrinadores. Despagnet, outro francês renomado, autor da obra Précis de Droit International Privé, ficou visceralmente contra a referida recomendação. Para ele não devemos aplicar a lex fori, mas sim a lex causae.

Ademais, se o fim do DIPr é a solução de conflitos interespaciais de normas, com eventual aplicação da lei estrangeira, deve, portanto, ser aplicada tal como é, em toda a sua inteireza, isto é, completa não só na sua qualificação como também nas relações jurídicas.
A nossa Lei de Introdução ao Código Civil adotou os dois critérios de qualificação.
Primeiro, a lex rei sitae, isto é, a lei da situação da coisa é que a qualifica, art. 8°. É este critério o da lex causae.
Em segundo plano, em seu art. 9.°, fixou-se no lugar das obrigações, ou seja, em que forem constituídas. Igualmente, optou pela lex causae.
E, para os demais casos, abraçou a teoria de Bartin, da lex fori.

Finalmente, nosso Direito ficou arraigado ao sistema misto, evidentemente o mais prático e mais realista com as soluções dos conflitos de leis no espaço.
O Código Bustamante, fruto da Convenção de Havana, subscrito e aceito por vários países da América Central e do Sul, inclusive pelo Brasil, de cujo conteúdo iremos nos referir mais adiante, optou, em seu art. 6°, pela lex fori.

Em relação aos tratados, indagar-se-ia qual dos critérios é adotado? Tudo fica muito simples, a qualificação é sempre aquela contida no próprio tratado, de uma feita que tratado é lei entre os Estados que o subscreveram. E se houver omissão, evidentemente o juiz recorrerá sempre à lex fori. Não podemos falar aqui em lex causae, pois a qualificação contida no tratado com esta se identifica.
Concluindo, diremos apenas que a maioria das legislações adota os dois critérios: a lex fori e a lex causae, com tendência sempre maior para a lex fori, a exemplo de nosso sistema.

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